O Estado Social, em seus distintos formatos políticos, é resultado de uma engenharia política que envolveu, historicamente, lutas sociais e coalisões de classe nem sempre duradouras. O Estado Social é tributário, de certo modo, do ambiente do liberalismo clássico e das lutas sociais do final do século XIX e início do século XX. Seria, diante da agenda neoliberal, possível pensar em uma nova agenda para o Estado Social nesse início de século?
Bresser-Pereira Ainda que a origem do Estado Social esteja nas lutas pelo socialismo da segunda metade do século XIX, só se pode falar em um Estado Social nos países ricos após a Segunda Guerra Mundial, quando os partidos socialistas nesses países se convenceram que não havia espaço para uma revolução socialista. Ao mesmo tempo, no quadro da Guerra Fria, não apenas os partidos social-democráticos mas também os partidos conservadores (os partidos democrata-cristãos da Itália e da Alemanha, por exemplo) também se associaram na construção do Estado Social ou do Bem-Estar Social. E tivemos então, até meados dos anos 1970, os Anos Dourados do Capitalismo. Em torno de 1980 houve a “virada neoliberal”, e os fundamentalistas de mercado tentaram destruir o Estado Social na Europa. Enfraqueceram-no, mas não o destruíram, por duas razões: porque ele tem o apoio da população de cada país, é porque é uma forma muito eficiente de garantir uma vida digna para os trabalhadores.
Observatório do Estado Social Brasileiro. O discurso nacional, a ideia de um projeto nacional de desenvolvimento, mesmo que ortodoxo, acompanhou, pelo menos discursivamente, a história política e econômica do Brasil. O atual governo mudou totalmente a gramática do Estado. Não se fala mais, por exemplo, em projeto nacional, em integração regional ou mesmo em um projeto de desenvolvimento autônomo. Essa nova gramática guarda alguma relação com o rentismo e com a perda do protagonismo, se é possível ainda usar essa expressão, da burguesia nacional?
Bresser-Pereira A ideia de um projeto nacional foi abandonada no Brasil em 1990, quando o Brasil afinal se rendeu às reformas neoliberais. E desde então a economia brasileira vem se desindustrializando e está semiestagnada. Enquanto, desde 1990, a renda por habitante nos países ricos cresce a uma taxa anual de 1,7 por cento e nos países em desenvolvimento, 3,0 por cento, no Brasil cresce apenas 0,7 por cento. Sem projeto de nação, ficamos para trás. Vocês, em Goiás, talvez não sintam claramente esse problema porque o Centro-Oeste continuou felizmente a se desenvolver. Em compensação, a partir da transição democrática de 1985 e da Constituição de 1988, iniciou-se a construção no país de um Estado Social. Os gastos com educação, saúde, assistência social e previdência quase dobraram em termos de porcentagem do PIB. A grande realização da democracia brasileira foi o SUS.
Observatório do Estado Social Brasileiro. O Brasil, um pais sem paralelo em termos de desigualdade, viveu nos anos 2000 aquilo que estudiosos do IPEA adjetivaram de Década da Inclusão. A presença do Estado foi fundamental na redução da desigualdade. A pandemia da Covid-19 chega em um país com desemprego galopante e correlata dilapidação da ação do Estado. É possível pensar em um cenário em que a desigualdade social não aumente?
Bresser-Pereira A presidente Dilma Rousseff cometeu muitos erros, que resultaram em uma hegemonia neoliberal impressionante em 2015 e no seu impeachment, um enorme erro cometido pelas elites brasileiras. O governo Rousseff errou por incompetência; o governo Temer, porque abandonou qualquer ideia de projeto nacional e se submeteu ao Norte; o governo Bolsonaro nasceu desmoralizado, e está praticando um genocídio por haver-se oposto à política absolutamente necessária de quarentena e distanciamento social.
Observatório do Estado Social Brasileiro. Não podemos deixar de aproveitar a oportunidade para falar um pouco sobre esperança, essa espécie de fermento da utopia. A história do Brasil é repleta de momentos extraordinários. Momento de reinvenção. O Senhor, como professor, formou uma geração de pesquisadores comprometidos com o desenvolvimento de um projeto nacional. É possível, como analista do cenário político e econômico, deixar alguma mensagem de otimismo e esperança para uma geração de jovens cuja mobilidade social depende do fortalecimento do Estado Social?
Bresser-Pereira É muito difícil ser otimista em relação ao Brasil. Seu fracasso como nação nestes últimos 30 ou 40 anos é terrível. Nesse período, nem a direita nem a esquerda lograram propor um projeto de desenvolvimento nacional e social. O Brasil precisa de uma nova narrativa para seu desenvolvimento e uma teoria prática, operacional, voltada para isto. Há 20 anos eu venho trabalhando nessa nova narrativa e nessa nova teoria e suas respectivas políticas econômicas e sociais. Chama-se Novo Desenvolvimentismo. Está presente nos dois últimos livros meus, A Construção Política do Brasil e Em Busca do Desenvolvimento Perdido. Há muita coisa no meu website, www.bresserpereira.org.br sobre isso. Um número crescente de jovens vem se interessando pelas novas ideias. Quem sabe elas possam contribuir para o Brasil voltar a crescer com diminuição da desigualdade.