Observatório do Estado Social Brasileiro. A origem do Estado Social brasileiro está ligada ao movimento operário organizado. O futebol, por vez, também tem um vínculo histórico como o movimento operário, tal é o exemplo do Corinthians e do Bangu. Seria muito romântico, por essa ótica, estabelecer um vínculo entre o futebol e a luta pela ampliação dos direitos trabalhistas? Dito de outro modo, o futebol, mesmo que no início do século XX, pode ser compreendido como uma arena de politização?
Juca Kfouri. Eu diria que deveria, mas que sim, é uma visão romântica. E, por quê? Porque atletas, com raras exceções e por isso sempre lembrados, são muito voltados aos próprios umbigos, a bater recordes, ganhar o próximo jogo, competir. Com isso, se esquecem do entorno e, quando ascendem socialmente, em regra, se preocupam em manter seus patrimônios, reproduzem os piores discursos pela segurança pública.
Observatório do Estado Social Brasileiro. A crise pandêmica tem, como impacto imediato, além da saúde, a erosão da renda dos trabalhadores. O jogador de futebol, no imaginário brasileiro, é uma pessoa abastada, não sendo visto como um trabalhador. Trata-se de uma generalização. No atual contexto, como a crise afetou o mercado de trabalho do futebol, notadamente nas esferas das subdivisões menos evidentes (para além da Série A do Campeonato Brasileiro e Regionais), com profissionais anônimos para a mídia? Há, do ponto de vista das políticas públicas algum espaço para aporte de renda para esses trabalhadores “invisibilizados”, que não raro exercem outras funções laborais complementares ao futebol?
Juca Kfouri. Também deveria haver, mas não há. Ninguém se preocupa com os bóias-frias do futebol, a não ser para fazer demagogia, como agora, quando o açodamento dos clubes pela volta do futebol põe cartolas fazendo o discurso dos menos favorecidos, a imensa maioria dos jogadores. Veja que quando a elite dos atletas profissionais fez o movimento do Bom Senso FC, exatamente com o foco nos mais carentes, logo foi subjugada pela superestrutura do futebol.
Observatório do Estado Social Brasileiro. Não podíamos perder a oportunidade, uma vez que falamos em democracia, em citar a Democracia Corinthiana. Recentemente, a Gaviões da Fiel organizou um ato que contrapôs e barrou uma manifestação autoritária na Avenida Paulista em São Paulo. Em que medida as torcidas organizadas podem se constituir em espaços de socialização política, para além das linhas do campo de jogo, como àquele embrião gestado por Sócrates, Casa Grande, Wladimir entre outros daquele geração do início da década 80? Há espaço para algo neste sentido na contemporaneidade?
Juca Kfouri. Ainda são minoritárias as facções de torcedores organizados politizados. Um alento que, tomara, estimule posições que ultrapassem os limites das quatro linhas dos gramados e tome as arquibancadas. Doutor Sócrates sempre acreditou nesse potencial, mas morreu sem vê-lo atingido. Por outro lado, a violência de 6 ou 7% dos torcedores organizados atemoriza a sociedade e os torcedores comuns, havendo um longo caminho a ser trilhado para apagar a má imagem.
Observatório do Estado Social Brasileiro. Sua trajetória enquanto jornalista é marcada pela autonomia intelectual nos lugares em que já passou. Você integra um coletivo de jornalistas, intelectuais, políticos e artistas que defende uma “Frente Nacional pela Democracia”, à exemplo do seu protagonismo no apoio à pautas ligadas à Escola Nacional Florestan Fernandes em Guararema/SP (vinculada ao MST e a Via Campesina) e o movimento “Lula Livre”. Como possibilitar a manutenção de espaços autônomos (com garantia de emprego e renda) para as novas gerações de artistas e/ou jornalistas nos Meios de Comunicação numa conjuntura marcada pela “pós-verdade” e a desvalorização do conhecimento?
Juca Kfouri. Enorme desafio. Verdade que as novas plataformas de comunicação ampliaram os canais para que tenhamos uma maior democratização da informação. Mas ainda será preciso dar muitas cotoveladas para alargar os espaços nos meios tradicionais, normalmente mais preocupados com o negócio em si do que com o livre trânsito do noticiário, sempre mais para a liberdade de empresa que de imprensa.